Biotec na Saúde Humana: Novo tratamento com células tronco contra o HIV

No começo deste ano, foi divulgado o primeiro caso de uma mulher que está provavelmente curada do vírus HIV, após tratamento com células-tronco. O anúncio foi feito na Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas, em Denver (Estados Unidos), em fevereiro, e especialistas afirmaram que a mulher não apresenta níveis detectáveis de HIV há 14 meses. Entenda mais como a biotecnologia pode ajudar no tratamento e cura desse vírus!

O vírus

O HIV, sigla em inglês para Vírus da Imunodeficiência Humana, é um retrovírus que pode causar a AIDS, Síndrome da Deficiência Imunológica Adquirida. Esse vírus entra em células do sistema imunológico, linfócitos T, pelo componente da membrana conhecido como CD4. Por armazenar suas informações genéticas em forma de RNA (ácido ribonucléico), ao penetrar na célula o vírus usa uma enzima chamada de transcriptase reversa para reverter RNA em DNA, que quando pronto, se integra ao DNA da célula. Após esse processo, o linfócito começa a produzir componentes necessários para formar o vírus e por fim, sofre lise liberando milhares de novos vírus.

É transmitido por contato com fluidos corporais com a presença de vírus ou células contaminadas com o vírus. As maiores vias de transmissão são transfusão de sangue contaminado, uso de drogas injetáveis, relações sexuais desprotegidas e de mãe para filho, na hora do parto ou na amamentação. Segundo dados do UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS), cerca de 37 milhões de pessoas no mundo todo convivem com HIV.

As células tronco

Células tronco possuem duas características intrínsecas a esse tipo celular: grande capacidade de auto renovação e dar origem a linhagens celulares mais específicas, de acordo com estímulos ambientais. Os dois principais tipos usados em terapias celular são as células tronco embrionárias e as adultas. As células tronco embrionárias (CTEs) têm capacidade de originar qualquer tecido humano e, in vitro, podem se proliferar múltiplas vezes mesmo sem se diferenciar. Já as células tronco adultas (CTAs) são responsáveis por reparar o tecido em que se encontram de um eventual dano. As mais conhecidas estão na medula óssea, mas também estão presentes em outros tecidos. No início, acreditava-se que eles só poderiam se diferenciar em células do tecido em que residem, no entanto estudos mais recentes indicam que podem se diferenciar de diferentes formas. 

Tratamento com Células-tronco

O tratamento com células-tronco começou a ser estudado após um paciente receber um transplante de células-tronco para tratar uma leucemia. Foi observado que houve uma remissão do HIV a longo prazo devido a esse tratamento, o que levou o caso para estudo. O paciente de Berlim, como foi chamado, recebeu dois transplantes de células-tronco em 2006, e desde então vem sendo acompanhado.

Para infectar as células do sistema imunológico, o HIV utiliza o receptor  CD4, sendo necessária a associação com os co-receptores, como o CCR5. A remissão ocorreu devido a uma mutação genética rara: o doador continha cópias duplas da chamada CCR5 delta 32, que resulta na falta de CCR5. Dessa forma, o vírus não é capaz de se ligar nas células CD4, que a maioria dos tipos de HIV usa para infectar células. O paciente de Berlim passou por quimioterapia de condicionamento intensivo e radioterapia para combater o câncer, permitindo que as células-tronco do doador construíssem um novo sistema imunológico resistente ao HIV.

Após o seu primeiro transplante, foi interrompido a terapia antirretroviral, mas sua carga viral não se recuperou. Pesquisadores estudaram e submeteram o seu sangue e amostras do tecido do intestino, cérebro e outros a testes extensivos, nos quais não foram encontradas evidências de HIV competente para replicação em seu corpo. Em 2019, o paciente comemorou 12 anos sem HIV e compareceu ao CROI (Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas). 

Houve um segundo paciente que, em 2016, foi submetido a transplante de células-tronco para tratar o linfoma de Hodgkin e seu doador também tinha uma dupla mutação CCR5.

Últimas notícias

Pesquisadores dos Estados Unidos conduziram um estudo, divulgado em fevereiro no CROI em Denver, com evidências sobre uma cura para o HIV. Uma paciente com 64 anos que convivia com HIV e leucemia miemogia aguda, recebeu um transplante sanguíneo de células-tronco para o tratamento de leucemia, ficou livre do vírus por 14 meses e sem sinais de ressurgimento do vírus após o tratamento com medicamentos antirretrovirais.

A mulher é a terceira paciente que obtém resultados positivos com o tratamento, no entanto, é o primeiro caso a usar células do sangue do cordão umbilical que continha uma variante do gene CCR delta 32 e o primeiro a tratar uma mulher. Após três meses do transplante, os testes indicaram que o conjunto de células sanguíneas da paciente eram todas derivadas das células tronco do cordão umbilical resistente ao HIV.

Como são poucos os resultados positivos, ainda são necessários mais estudos para se obter a cura do HIV. Atualmente, existe um grande estudo em andamento feito na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, que acompanha 25 pessoas com HIV que se submeteram ao transplante de células tronco retiradas do sangue do cordão umbilical para o tratamento de câncer e outras doenças graves. Ainda existe um longo caminho pela frente, mas temos esperança para uma possível cura do HIV.

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REFERÊNCIAS

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