O ambiente marinho conta com uma rica diversidade biológica ainda desconhecida, sendo considerado por muitos como um mistério. Além de ser um ambiente pouco explorado, pode ser também extremo, com altas temperaturas e pressões no fundo do mar, além da salinidade. A sobrevivência dos organismos que habitam esse ambiente revela muito sobre a capacidade adaptativa desde os primórdios. Tais estratégias de adaptação despertam o interesse para a descoberta de organismos com importantes potenciais biotecnológicos.
Também conhecida como Biotecnologia Azul, a Biotecnologia Marinha é uma área da Biotecnologia focada na prospecção e uso de organismos marinhos e seus produtos na obtenção de produtos de interesse para a sociedade. No Brasil, um programa integrado de Pós Graduação em Biotecnologia Marinha é ofertado, e é constituído por duas instituições: a Universidade Federal Fluminense (UFF) e o Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM).
Mas por que investir em Biotecnologia Marinha? Sabemos que as plantas e os microrganismos são uma fonte rica de moléculas de interesse biotecnológico, sendo muitos desses já bem conhecidos e amplamente utilizados para as mais diversas finalidades. O que faz do mar uma fonte interessante de prospecção? Justamente pela vasta biodiversidade disponível no ambiente marinho e por serem pouco conhecidos em relação aos organismos terrestres, os organismos marinhos como algas, vertebrados, invertebrados e microrganismos (vírus, fungos e bactérias) podem se revelar como uma fonte de moléculas até então desconhecidas e com enorme potencial biotecnológico. Além disso, o Brasil é um país com extensa faixa litorânea, o que torna ainda mais conveniente a prospecção nesse ambiente.
Moléculas bioativas com potencial para serem utilizadas nas mais diversas áreas já foram encontradas. Em diversos países, linhas de pesquisa voltadas para aplicações de organismos marinhos e seus produtos permitiram o desenvolvimento de novos serviços e mercadorias, como fármacos, cosméticos com propriedades terapêuticas (cosmecêuticos) e antimicrobianos, além da biorremediação de áreas de vazamento de petróleo.
Na aplicação de Biotecnologia Marinha à área da saúde, é possível mencionar diversos medicamentos desenvolvidos a partir de moléculas de organismos marinhos que são atualmente aprovados e reconhecidos, alguns desses estando inclusive na lista de medicamentos essenciais da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Um dos exemplos de fármacos originados de moléculas de organismos marinhos é a Trabectedina, identificada a partir de extratos da ascídia Ecteinascidia turbinata e com importante atividade anticâncer. Sob o nome comercial Yondelis®, a trabectedina foi aprovada para uso pela FDA (Food and Drug Administration, EUA) em 2015. Também é possível mencionar o Ziconotídeo (Prialt®), um analgésico não opióide sintetizado a partir de um peptídeo isolado do veneno do caracol Conus magnus.
O termo “cosmecêutico” se refere a cosméticos com propriedades terapêuticas e medicinais, a indústria de cosméticos também já se beneficia de descobertas da Biotecnologia Marinha. Um dos exemplos é o uso de extratos ricos em pseudopterosinas, substâncias com propriedades anti-inflamatória e analgésica que previnem irritações causadas por exposição ao sol, presentes na linha de produtos Resilience® (Estée Lauder).
Outra aplicação da Biotecnologia Marinha para a área da saúde é, indiretamente, a PCR (do inglês, Polymerase Chain Reaction). A técnica se difundiu ao longo da pandemia e passou a ser reconhecida por ser utilizada no teste padrão ouro de detecção de Covid-19. A reação depende da enzima DNA polimerase de microorganismos extremófilos como, por exemplo, Pyroccocus abyssi. No caso dos testes para Covid-19, a enzima é utilizada na multiplicação de porções específicas do genoma do vírus SARS-Cov-2, o que permite uma detecção precisa.
A aplicação de microrganismos marinhos na biorremediação de áreas contaminadas por vazamento de petróleo é mais uma prova da capacidade de adaptação dos organismos, que pelo estresse causado pela contaminação (a qual não faz parte do padrão natural do ambiente) podem acabar desenvolvendo mecanismos de sobrevivência. Em alguns casos, esse mecanismo pode envolver a capacidade de extração do carbono do petróleo, reduzindo os impactos da contaminação.
Preservar o ambiente marinho é necessário, garantindo o equilíbrio ambiental, a qualidade de vida para os organismos que habitam o local e a possibilidade de novas descobertas científicas.
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Escrito por Nicole Sousa e revisado por Giovanna Magalhães, com artes de Lina Gress.
REFERÊNCIAS
THOMPSON, Fabiano Thompson & Cristiane (org.). Biotecnologia Marinha. Rio Grande: Ed. FURG, 2020.
Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira. Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Marinha (Mestrado e Doutorado). Disponível em: https://www.marinha.mil.br/ieapm/programa-de-pos-graduacao. Acesso em: 25 set. 2021.