Biotecnologia Dourada: entre bytes e nanopartículas


Entre bytes e nanopartículas, a ciência avança

A biotecnologia dourada abrange os campos da bioinformática, a ciência que usa programas computacionais para analisar e gerar produtos e processos biológicos, e da nanobiotecnologia, que manipula e cria intencionalmente materiais em escala nanométrica (bilionésima parte de um metro). Ambas são áreas em que os resultados não são vistos de forma física ou a olho nu, como costuma acontecer nos tradicionais trabalhos de bancada. Além dessas, a biologia sintética e a astrobiologia também integram a Biotec Dourada, mas serão abordadas com maiores detalhes em outro espaço (final da matéria). Aqui, abordaremos a Bioinformática e a Nanobiotecnologia e como algo tão abstrato pode impactar nosso cotidiano.

Bioinformática:


As “Ômicas”
Desde seu desenvolvimento, as técnicas de sequenciamento conquistaram o famoso “dogma central da biologia molecular” e atualmente é possível sequenciar o DNA, o RNA e os aminoácidos que compõem as proteínas. E é graças a ferramentas de bioinformática que os cientistas podem analisar o grande volume de dados gerados pelos sequenciadores. Este estudo é o que define as “ômicas”, que englobam desde a genômica, o estudo do material genético, até a metabolômica, que analisa o metabolismo de um organismo.
O acesso a esses dados, na verdade, não se restringe aos cientistas que os produziram. Eles são armazenados em bancos online, como o NCBI (National Center for Biotechnology Information) e o UniProt. Estes sites também permitem comparar as sequências de amostras da mesma espécie ou de espécies diferentes.
O compartilhamento de informações tem sido essencial para estudos envolvendo o SARS-CoV-2, agente causador da COVID-19, como o realizado por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que sequenciou o metatranscriptoma de pacientes infectados, permitindo investigações futuras de alvos para diagnóstico.
As ômicas possuem aplicações em diversas áreas. O grupo de pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) usa a genômica para preservação de espécies, através do estudo genético da onça-pintada. O Programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia (Bioen) promove a produção de bioenergia no Brasil ao fornecer incentivo financeiro para projetos envolvidos no tema. Esses projetos incluem a análise de genes que possam aumentar a síntese de celulose e sacarose (matéria-prima), ou que permitam a resistência de plantas à seca, salinidade e outros fatores que aumentem sua produção.

Redução de Experimentos Animais
A bioinformática tem sido responsável, através de modelos in silico (ferramentas de informática que simulam experimentos), por reduzir o número de experimentações animais, que, mesmo com todos os cuidados, geram sofrimento. A startup Altox, em São Paulo, desenvolve muitas dessas tecnologias, agregando valor e confiança a produtos que vão desde novos medicamentos a cosméticos, agroquímicos e alimentos.


Produção de Vacinas e Drogas
Por muito tempo, a produção de uma nova vacina demandava décadas de estudos até que um produto efetivo e sem risco à saúde fosse liberado, o que custava bilhões de dólares às empresas farmacêuticas e biotecnológicas. Contudo, nos últimos anos, a aplicação da bioinformática tem se mostrado de grande valor para acelerar o processo e diminuir custos. Um exemplo é a predição in silico de alvos vacinológicos, na qual as ferramentas de bioinformática são aplicadas visando a identificação de proteínas com maior potencial imunogênico (capacidade de gerar uma resposta do sistema imune) dentre uma espécie ou linhagem de organismo.
Este método já é utilizado no Brasil, a exemplo do Programa de Pós-Graduação em Bioinformática da Universidade Federal de Goiás (UFMG) e do Laboratório de Imunologia e Biologia Celular da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Utilizando abordagens como a vacinologia reversa e a genômica subtrativa – ou seja, a subtração de genes indesejados do genoma em estudo -, as pesquisas são direcionadas ao desenvolvimento de vacinas com maiores chances de acerto, poupando meses a anos e milhões de dólares em estudos clínicos.
De semelhante modo, a predição de epítopos (moléculas-alvo das células do nosso sistema imune) através de softwares especializados tem sido amplamente utilizada para o desenvolvimento de fármacos e diagnósticos. O Laboratório de Bioinformática do LNCC (Governo Federal), por exemplo, aplica essa técnica no combate a Klebsiella pneumoniae, bactéria resistente aos antibióticos convencionais.
Uma equipe de pesquisadores do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz-PE) utilizou servidores como ElliPro, Epitopia e Discotope para a predição de epítopos do vírus da Zika, através das sequências e estruturas das suas proteínas. A equipe também construiu, através de um mapeamento estrutural, uma proteína quimérica (imagem abaixo) com potencial vacinal e de desenvolvimento de métodos de diagnóstico mais precisos. Esses resultados podem ajudar a reduzir os resultados imprecisos dos métodos atuais, baseados apenas na sintomatologia.

Estrutura do epítopo NS1 do ZIKV construída por ferramentas de bioinformática. (Freire, 2018)


Nanotecnologia:
Comumente conhecida por ser a ciência que não se vê, a nanotecnologia trabalha com a utilização de partículas em uma escala entre 1 e 1000 nanômetro. Por mais impossível que pareça, um microscópio de alto nível (chamado microscópio de varredura por tunelamento) permitiu a observação de moléculas em nível atômico e a exploração de materiais em nanoescala. Dessa forma, a nanotecnologia desenvolve componentes para diversas áreas, como eletrônica, ciência da computação, engenharia dos materiais e biotecnologia.

Drug Delivery
Com o objetivo de reduzir os impactos relacionados à toxicidade de um fármaco e tornar tratamentos mais eficazes, o sistema de “Drug Delivery” vem ganhando destaque. Esse termo consiste em sistemas de transporte para que um fármaco chegue até um órgão ou um tecido específico do corpo, gerando efeitos no local almejado e evitando efeitos colaterais provocados por uma ação medicamentosa em outros tecidos.
Uma publicação na revista ScienceDaily mostrou que os pesquisadores da Houston Methodist e da Rice University, no Texas (EUA), descobriram que os canais em que as drogas moleculares passam possuem entre 2.5 e 250 nanômetros.
Os nanomateriais surgem como tratamento eficaz contra o câncer. Os tratamentos atuais baseiam-se no uso de terapias radioativas e químicas e de cirurgias, que costumam atingir ambas as células sadias e as não-sadias. Acertado em tamanho, os nanomateriais mostram-se capazes de atuar diretamente nas células cancerígenas. Desse modo, é possível tratar a doença sem afetar outras áreas do corpo, reduzindo os efeitos colaterais do tratamento e a necessidade de tratamentos invasivos.

Nanotecnologia contra COVID-19:
O contágio pela COVID-19 se dá através de pequenas gotículas do nariz ou da boca da pessoa infectada, que após uma tosse ou espirro, pousam em superfícies e se tornam um perigo para todos ao seu redor. Pensando em soluções para diminuir essa forma de contágio, os pesquisadores da TNS Nanotecnologia, com apoio do Senai no Paraná, estão desenvolvendo um projeto com o uso de nanomateriais que compõem um spray para proteger superfícies da contaminação por SARS-CoV-2. O spray deposita nanopartículas de prata, formando uma camada invisível capaz de inativar o vírus. Eles buscam fácil aplicação e acesso à população em até seis meses.

Impactos no Agronegócio:
Existe um aumento de inovações no campo da agricultura com a nanotecnologia, que se instalou como uma ampliação da agricultura de precisão, um campo que consegue prever o desenvolvimento das plantas desde sua germinação, as condições do solo, e na utilização racional da água, a partir de dados geográficos, mas agora, atuando de forma mais precisa e beneficiando tanto o agronegócio como a agricultura familiar.
No Brasil, a Embrapa mostra-se como grande apoiadora destes projetos e possui até mesmo um ambiente virtual chamado “Agropedia brasilis”, o qual permite uma comunicação entre os pesquisadores da empresa. Algumas das suas linhas de pesquisa são: a produção de biossensores no controle de qualidade de alimentos e bebidas e no diagnóstico de doenças; o estudo de biopolímeros como base para embalagens comestíveis e que preservem produtos como frutas e hortaliças; produção de nanomateriais orgânicos e inorgânicos presentes em fertilizantes e pesticidas.
Além de todo o avanço, a Embrapa procura a sustentabilidade ao usar produtos naturais, como coco, bagaço de cana e juta para fabricar alguns de seus materiais, e busca também realizar estudos toxicológicos, para certificar o uso seguro dos nanomateriais.

Filme para embalagem comestível. Foto: Denis Coelho

A Sibratec, por sua vez, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), trouxe avanços ao produzir nanopartículas para fertilizantes granulados hidrofóbicos, com função anti-aglomerante, que controla a liberação de nutrientes e fertilizantes, além de combater a lixiviação e a volatilização.

Essas abordagens, junto às muitas outras em desenvolvimento por todo o mundo, comprovam a importância da biotecnologia dourada para o desenvolvimento científico em benefício de toda a sociedade. Para mergulhar ainda mais no mundo da Biotec Dourada acompanhe as redes sociais da LiNA Biotec esta semana e fique ligadx na live do dia 14/07, onde abordaremos a Biologia Sintética e a Astrobiologia.

Autores: Camila Miranda, Carolina Silva e Igor Oliveira (UFBA Salvador)

Referências: https://drive.google.com/file/d/1cPYb3MwynQyzuPuJygUsL9PsACr1Pv2E/view?usp=drivesdk

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