Henrietta Lacks é um exemplo grave de como corpos negros são desrespeitados e usados. O grito “a carne mais barata do mercado é a carne negra” não é injustificado. Uma mãe negra de 5 filhos e moradora de Baltimore durante o período de segregação racial, teve seu diagnóstico de câncer de colo de útero em setembro de 1951. Sem autorização, o ginecologista Howard Jones retirou uma amostra das células dos tumores a fim de analisá-las. Esse procedimento permitiu grandes descobertas na área da medicina e da biotecnologia médica, embora a real história por trás dessa revolução tenha sido mantida na obscuridade durante muitos anos.
Publicamos essa história, na esperança que o legado de Henrietta Lacks seja conhecido. Que essas células que revolucionaram a ciência sejam reconhecidas pelo nome de quem as produziu, e não pelo nome de quem as tomou. Que a vida Henrietta seja celebrada tanto pelos cientista que a utilizam quanto por nós que desfrutamos dos resultados.

A mãe da medicina moderna por Kadir Nelson, 2017.
Em agosto 1920 nasceu, em Roanoke na Virgínia, Loretta Pleasant, nome de nascença de Henrietta Lacks. Assim como muitos de seus parentes, passou anos de sua vida trabalhando em fazendas de tabaco, ofício que realizava desde criança. Em 1941, se casou com David Lacks, com quem teve 5 filhos. 10 anos depois, no entanto, Henrietta deu entrada no hospital Johns Hopkins, único que tratava pacientes negros na época, e foi diagnosticada com câncer de colo de útero. Antes de iniciar o tratamento de radioterapia, foram retirados dois pedaços do seu colo de útero, procedimento realizado sem o seu consentimento, os quais foram enviados para a autópsia. George Gey, responsável pelo laboratório de cultura de tecidos, recebeu as células de Henrietta e as testou a fim de comprovar o crescimento dessas fora do corpo. Após alguns dias, Gey percebeu que essas células se multiplicavam in vitro. A descoberta permitiu que essa linhagem de células, agora chamada de “células HeLa”, fosse distribuída para cientistas que tivessem interesse e com o objetivo de realizar diversos estudos. A distribuição dessas células permitiu uma revolução na ciência cujos impactos são notados até os dias de hoje.
A linhagem de células de Henrietta Lacks, que faleceu pouco após o diagnóstico de câncer com 31 anos, foi a mais utilizada em diversos estudos biomédicos e biotecnológicos. Em 1952, foi desenvolvida a primeira vacina para poliomielite e em 1953 foram iniciados os primeiros estudos com cromossomos, todos eles se beneficiando das células HeLa. Em 1954, essa linhagem de células foi utilizada para clonar o primeiro ser vivo e, em 1960, para realizar estudos sobre os impactos da radiação cósmica no corpo de seres humanos. Cerca de 70.000 estudos utilizando células HeLa foram publicados e, pelo menos, dois prêmios Nobel foram distribuídos para pesquisadores que fizeram seus estudos utilizando essas células (um deles foi dado em 2008, para uma pesquisa que mostrava relação entre o papiloma vírus e o câncer cervical e o outro foi dado em 2009, para uma pesquisa que estudava o comportamento da telomerase na prevenção da degradação dos cromossomos). A relevância das células HeLa, desse modo, é explícita e os estudos feitos com essas são importantes para a ciência até os dias de hoje.
No entanto, apesar de ter dito um impacto enorme para a ciência, o nome de Henrietta Lacks se mostrou desconhecido durante vários anos. Esforços dos familiares da mulher que deu origem a linhagem de células mais utilizada pela ciência e de pesquisadores como Rebecca Skloot, autora de “A vida imortal de Henrietta Lacks”, foram feitos ao longo de anos a fim de trazer a história por trás das células HeLa e da própria Henrietta à tona. Até hoje, essas células são utilizadas em pesquisas de, principalmente, clonagem e sequenciamento genético porém o lucro com as vendas do lotes de células (que podem custar cerca de US$ 10 e US$ 10 mil) nunca chegou até a família de Lacks, que passou cerca de 30 anos sem saber que o tumor de uma de suas parentes foi utilizado para pesquisas relevantes na medicina e na ciência como um todo.
As células HeLa, as primeiras a crescerem e se multiplicarem in vitro, constituem uma linhagem de células consideradas imortais, sendo relevantes até mesmo para estudos recentes relacionados à medicina e à biotecnologia. Porém, essas descobertas devem ser sempre associadas à Lacks que forneceu essas células sem o devido consentimento e que morreu sem saber que essas seriam utilizadas para realizar grandes descobertas na história da humanidade. Desse modo, o legado de Henrietta Lacks para a ciência é, tal qual a linhagem de células que esta mulher deu origem, imortal.
Autora: Gabriela Mesquita – Comunicadora da LiNAbiotec
Edição: Bruno Pereira – Secretário de Comunicação da LiNAbiotec
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