Charles Darwin há cerca de 150 anos foi um dos pioneiros em descrever o modo como as espécies são selecionadas pelo ambiente em que vivem de modo que as que estão mais adaptadas se reproduzem e, portanto, com o passar do tempo, tornam-se mais abundantes. Nesse sentido, a biotecnologia da cor azul faz a bioprospecção (pesquisa e exploração da biodiversidade) do ambiente marinho com o objetivo de encontrar em condições tão diferentes das nossas regulares uma variedade de espécies que se desenvolveram com características, também distintas das encontradas em outros ambiente, que poderiam ser aproveitadas por nós como tecnologia.
Até hoje, a bioprospecção marítima já rendeu muitas inovações como a produção de alimentos super nutritivos, sobre os quais também discorreremos nesse texto, conjuntamente com outros temas de inovação da Biotecnologia Azul. Para tanto, trataremos dos seguintes assuntos no texto, respectivamente: como moléculas bioativas encontradas em peixes e invertebrados podem ajudar na produção de vacinas de DNA; como utilizar microalgas pode mudar nosso modo de obter esqualeno, evitando caça predatória de tubarões; o que a biodiversidade marítima tem a oferecer para nossa alimentação como suplementos; e o potencial de produção de fármacos através de moléculas obtidas da microbiota de esponjas.
- A bioprospecção de moléculas inibidoras de DNase I para aplicação em vacinas de DNA. As vacinas de DNA têm como estratégia uma expressão prolongada do antígeno, além de sua elevada segurança, facilidade de ser produzida em larga escala e excelente estabilidade. Entretanto, uma de suas desvantagens é que o gene carregado pela vacina deve ser expresso em quantidade adequada e, tratando-se de DNA, é possível que as nucleases endógenas (DNases, por exemplo, são enzimas capazes de quebrar ligações entre os nucleotídeos da dupla fita de DNA e degradá-lo) do receptor da vacina degradem o gene de interesse. Levando em conta este problema, a Biotecnologia Azul pode fornecer soluções, na pesquisa realizada por Magalhães et al. (2014) encontrou-se em peixes e invertebrados algumas moléculas bioativas capazes de atuar como adjuvantes, desse modo auxiliando na conservação do DNA presente na vacina e minimizando a degradação enzimática.
- Produção de esqualeno através de vias fermentativas. O esqualeno é uma molécula lipídica que tem despertado a curiosidade industrialmente e economicamente pelo seu impressionante potencial antioxidante ao neutralizar os temidos radicais livres que deterioram as células, potencial este que vem sendo amplamente aproveitado na área cosmética em produtos anti-envelhecimento, e pelo fato de também ter demonstrado uma atividade preventiva para o câncer. Uma das problemáticas enfrentadas até então é que a principal fonte de esqualeno é o extrato do óleo produzido no fígado de algumas espécies de tubarões. Como maneira de evitar a pesca predatória destes animais, a Biotecnologia Azul surge com a solução de produzir esqualeno em larga escala utilizando-se de microalgas (grupo Thraustochytrids). O estudo foi feito por Batista et al. (2014), que relatou que algumas estirpes do grupo já demonstraram produzir naturalmente o esqualeno, que por sua vez pode ser aumentado por meio de processos fermentativos. Além do esqualeno, o grupo de microalgas fornecem β-caroteno, cantaxantina, astaxantina e quinenona. Estes compostos, como outros pigmentos, são utilizados em áreas diversificadas como a alimentar, têxtil, farmacêutica, cosmética, dos nutracêuticos e dos corantes de impressão.
- Segundo Freitas et al. (2012) alguns componentes de organismos marinhos também podem ser aplicados à produção de novos super alimentos funcionais, como forma de nutrir e prevenir doenças. Um alimento funcional, segundo Health Canada (http://www.hc-sc.gc.ca) é similar ao alimento convencional em aparência, entretanto oferece benefícios fisiológicos que aumentam a saúde e diminuem o risco em desenvolver doenças. As características do ambiente marinho como a alta salinidade, temperatura, pressão e incidência luminosa impõe um interesse particular nos compostos gerados pelos organismos marinhos como crustáceos, micro e macro algas, fungos, cianobactérias e alguns tipos de peixes. A partir destes compostos tem-se a possibilidade de gerar agentes espessantes (a partir de alginatos e ágares), agentes emulsionantes, conservantes e outros deles ainda podem ser adicionados aos alimentos como forma de reduzir colesterol, glicemia e a pressão sanguínea, por exemplo. A suplementação alimentar proveniente de microalgas já é bastante comum, a mais conhecida entre elas, a Spirulina, é uma rica fonte proteica e de minerais e vitaminas (zinco; ferro; cálcio; magnésio; vitaminas K1, K2 e B12; e β-caroteno, por exemplo).
- A extração de moléculas bioativas de esponjas marinhas já demonstrou grande potencial para produção de novos fármacos. As esponjas ou poríferos são organismos filtradores sésseis (fixos a um substrato) encontrados nos mais diversos ambientes marinhos e, por possuírem uma morfologia relativamente simples desenvolveram estratégias adaptativas essencialmente químicas ao associar-se a diversos microorganismos. Os compostos isolados de esponjas são o produto da sua microbiota (conjunto de microorganismos que a habitam) altamente diversificada. Dos fármacos originados a partir destas moléculas, podemos citar: o primeiro fármaco com ação anti-HIV (zidovudina ou AZT); fármacos de ação antiviral; antibióticos (eritromicina); imunossupressores (rapamicina); anticolesterol (lovastatina) e antitumorais (epotilona). O reconhecimento da biodiversidade de moléculas isoladas de esponjas é feito através do sequenciamento do genoma do organismo hospedeiro (a esponja) e sua microbiota associada, em seguida são feitos testes fenotípicos e genotípicos em busca das propriedades bioativas (se há potencial bactericida, fungicida, antitumoral, entre outros). Portanto, as esponjas detém uma ampla comunidade microbiana, geneticamente distinta e quimicamente férteis, e dada a sua riqueza taxonômica com cerca de 8.500 espécies validadas, as esponjas consagram-se como uma das mais promissoras fontes modernas de recursos naturais para futuras aplicações biotecnológicas e farmacêuticas.
Como podemos perceber pelos exemplos anteriores, o ambiente marinho constitui uma extraordinária reserva de compostos com características estruturais únicas e diferentes das encontradas em produtos naturais de origem terrestre. Os compostos de origem marinha assumem assim um papel cada vez mais significativo na descoberta de novos medicamentos, de novas aplicações em cosmética, na produção de enzimas com características específicas e até mesmo para a recuperação de ambientes terrestres que sofrem com a poluição (biorremediação).
Os compostos terrestres, como os encontrados em plantas, sempre foram mais vislumbrados pela bioprospecção, agora que estamos começando a descobrir as peculiaridades dos organismos marinhos e seus compostos que são nada mais nada menos que o resultado da evolução biológica, no sentido de obter vantagens competitivas, sejam elas a capacidade de obter um determinado recurso, de influenciar um outro organismo ou de eliminar os competidores. No Brasil temos a Rede Nacional de Pesquisa em Biotecnologia Marinha (BiotecMar) para auxiliar pesquisas com relação à biodiversidade marinha, a descoberta de novas espécies e o mapeamento de novos genes. Uma das empresas que representam a biotecnologia azul em nosso país é a Regenera Moléculas do Mar, cujo objetivo é acessar a genética da biodiversidade marinha brasileira visando atividades com potencial de uso econômico, como desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção.
Devido a importância das descobertas que a biotecnologia marinha proporcionou, é certo que a pesquisa marinha continuará em voga. De acordo com Leary et al. (2009), uma rápida pesquisa no Google Acadêmico contendo as palavras “marine biotechnology” (biotecnologia marinha) mostra que a partir dos 6.400 registros (não incluindo citações) obtidos para o ano 2000 houve um crescimento, a uma taxa aproximadamente constante, para 17.800 registros em 2013. Estes resultados são corroborados pelo número de patentes relacionadas com recursos marinhos genéticos, e nos mostram um crescimento de interesse por esta área de 70% entre os anos de 1998 e 2007.
Por todas as aplicações e aspectos mencionados, é possível notar que esta vertente da biotecnologia ainda tem muito a nos oferecer e beneficiar, afinal os oceanos ocupam mais de 70% da superfície da Terra. Gostou de saber mais sobre a Biotecnologia Azul?? Acompanhe a LiNA Biotec no Instagram e no Facebook esta semana e traremos mais informações na live do dia 02/06. Não perca!
Autores: Natalia Landskron Saccomori e Micael Mantovani Baruch (Polo UNILA)
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